Caminhar no ritmo do outro
Por Armando Melo
É casual como certos acontecimentos se instalam em nossa mente, sustentando orientação e amparo contínuos. Há cerca de vinte anos, recebi, para supervisão de atendimentos na clínica de psicologia da universidade, uma estagiária de psicologia, de nome Fátima (os nomes são fictícios). Fátima estava atendendo uma senhora que tinha 55 anos e considerava os atendimentos que vinha realizando desta forma: inócuos e monótonos.
Maria, a senhora que estava sendo atendida por Fátima, é mãe de três filhas e ficou viúva há dois anos. Segundo Maria, as filhas passam “muito tempo” sem visitá- la, mas quando o marido era vivo, elas “viviam” na casa deles. Maria sempre se queixa da ingratidão das filhas e repete constantemente as mesmas outras histórias. Maria sente-se traída na velhice, porque sempre dedicou a vida à família toda.
Fátima, almejando alguma nova forma de se relacionar com Maria, no próximo atendimento, buscou a minha ajuda. Pedi que ela descrevesse como tinha sido o último atendimento.
F – Como sempre, fui receber Maria na sala de recepção da clínica. De forma costumeira, sorri para ela, dei boa tarde e disse: vamos? Ela também sorriu, levantou-se e caminhou lentamente na direção do meu consultório.
A- Reiterei: lentamente?
F- Sim, lentamente!
A – E como você se sentiu nesse momento?
F- Irritada!
A – É sempre assim?
F – Acho que sim. É que não tinha consciência disso, apenas agora “caiu a ficha.”
A – Isso ocorre apenas na caminhada?
F – Não! Agora me dei conta de que a irritação continua no consultório – me sinto irritada, escutando as mesmas histórias.
A – Entendi, nos atendimentos, você gostaria que ela caminhasse num ritmo mais rápido. Gostaria de lhe fazer uma pergunta, posso?
F – Pode!
A – Quem está em atendimento?
F – A Maria.
A – Então, os atendimentos devem ocorrer no ritmo de quem?
La Fidélité. Statue, marbre, 1684.Armand Lefebvre (1620 – 1700)
A estátua “La Fidélité do Armand Lefebvre compreendida na perspectiva do cachorro, que admira a musa seria o avesso, ao invés exaltar “A Fidelidade” ao amor simbolizado pelo coração, poderia ser nomeada de “A Infidelidade”, pois a musa não olha para ele – não apresenta nenhuma empatia para com ele.
Rogers revisa o conceito de empatia em um artigo que escreveu em 1975, intitulado “Uma maneira negligenciada de ser: a maneira empática”. Neste artigo, ele redefine o termo. Empatia, então, é conceituada como um processo, uma maneira de ser numa relação com outra pessoa e que apresenta três momentos.
Significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa, em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ela esteja vivenciando. Significa viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela, sem julgar, perceber os significados que ela quase não percebe, tudo isso sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isso poderia ser muito ameaçador. (…) Passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa, em seu mundo interior. Mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências, ajudamos a pessoa a focalizar essa modalidade útil de ponto de referência, a vivenciar os significados, de forma mais plena, e a progredir nessa vivência. Estar com o outro, dessa maneira, significa deixar de lado, nesse momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro, sem preconceitos; num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu… (Rogers & Rosenberg, 1977, p.73).
Analisando esta redefinição, apresentada por Rogers, percebemos que ela envolve, ao mesmo tempo, vários momentos distintos do modo de ser empático. Especificamente, destacamos três formas desse processo: a experiência empática com o cliente; a percepção e a compreensão empática; e a comunicação da empatia.
A experiência empática com o cliente requer do terapeuta “sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nessa pessoa, em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ela esteja vivenciando”. Gostaria de destacar, na experiência mencionada, a sensibilidade para caminhar no ritmo do outro. Noutras palavras, o terapeuta deve estar centrado no ritmo do cliente e não no seu próprio ritmo.
Essa história me acompanha até hoje e, em muitas situações, lembro a mim mesmo e aos estagiários do curso de Psicologia para que “caminhemos no ritmo do cliente”.
Não encontrei a ex-estagiária que viveu comigo essa história, mas espero que ela leia esta crônica e saiba o quanto o seu relato tem sido benéfico ao longo dos anos, para mim e para muitos estagiários que passaram a trabalhar na clínica, depois dela.
Referência bibliográfica: Rogers, Uma maneira negligenciada de ser: a maneira empática. In Rogers & Rosenberg, 1977.
Armando Melo (CRP 11-343)
Realiza atendimento em psicoterapia individual, grupo, plantão psicológico e supervisão.
Graduado como Psicólogo pela Universidade Federal do Ceará (1986). Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (2003). É professor adjunto do curso de Psicologia da UNIFOR.
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